É preciso uma comunidade inteira para proteger uma criança
Na Cidade Tiradentes, artistas, educadoras e profissionais dos equipamentos públicos atuam como agentes de mudança para prevenção de violências na infância
Prevenir que crianças e adolescentes sejam vítimas de violências e mudar trajetórias garantindo acesso a direitos e oportunidades. Esses são os objetivos do Passa a Visão, iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com a ONG Serenas, em parceria estratégica com o Ministério Público do Trabalho.
Como parte do projeto, em 2022, foi lançada a primeira Rede de Jovens Comunicadores da Cidade Tiradentes, território prioritário da #AgendaCidadeUNICEF em São Paulo. Desde então, adolescentes e jovens já realizaram campanhas, eventos e outras intervenções para impactar a comunidade local. Em 2023, cerca de 60 lideranças comunitárias, profissionais dos equipamentos públicos e de organizações da sociedade civil puderam participar de oficinas de sensibilização sobre violências contra meninas para que possam atuar como agentes de mudanças.
Um deles é Cláudio Pavão, 35 anos, ator, produtor e coordenador de cinco polos do Programa de Iniciação Artística (PIÁ), da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Segundo ele, os encontros realizados trouxeram subsídios não só para seu trabalho, mas para que consiga, em suas relações interpessoais, intervir diante de situações de violência contra meninas e mulheres, participando ativamente do enfrentamento da violência baseada no gênero. Nascido no bairro de Itaquera, Cláudio se mudou para a Cidade Tiradentes aos dois anos de idade, após os pais serem contemplados com um apartamento da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
Dono de um sorriso largo, Cláudio encanta ao relatar, com muito afeto, sua inserção no mundo artístico, quando tinha apenas 15 anos de idade, a pedido de sua mãe. O que era pra ser um espaço de descontração se tornou sua segunda casa. Três anos após ter pisado pela primeira vez em um palco, Cláudio e suas colegas formaram um coletivo de teatro, chamado Filhas da Dita, permeado por questionamentos e reflexões sobre suas identidades e sobre a Cidade Tiradentes. Para ele, “as juventudes podem contribuir para o enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes por meio de um protagonismo coletivo, promovendo ações que utilizem ferramentas tecnológicas para mobilizar outras pessoas jovens e disseminar informações e conhecimentos de forma empática e inclusiva”.
Além de receberem capacitação, pessoas que residem na Cidade Tiradentes têm atuado como educadoras para a prevenção de violências na infância e na adolescência. Uma delas é a multiartista travesti, de 35 anos, Lua Lucas. Em 2023, Lua foi convidada como facilitadora em um dos encontros formativos da Rede de Adolescentes e Jovens Passa a Visão. Ela relembra que o encontro aconteceu integrado à exposição de artes visuais TirAção, que valorizou a produção de artistas trans e travestis. Para a artista, os jovens do projeto já estavam se questionando sobre questões de gênero e sexualidade e, a partir da interação com a exposição, conseguiram compartilhar conhecimentos e experiências que são comuns a diferentes gerações. Segundo a educadora, isso acontece quando conseguimos nos enxergar nas referências apresentadas.
“Quando uma jovem, em uma formação, conta a experiência de sua mãe e depois chega em casa e conversa com sua família, e vai conseguindo costurar as narrativas de seu cotidiano com referências trazidas pela educadora, sinto que os jovens conseguiram se ver, se sentir participantes da formação”.
E é verdade. O grupo amou o encontro com Lua. Isso se revelou durante o percurso formativo, com o resgate constante feito pela turma sobre o encontro com a educadora.
Garantia de direitos
Além de a sensibilização e a atuação como agentes de mudança, sejam eles jovens ou outros líderes locais, para a prevenção de violências contra crianças, é preciso garantir o acesso a direitos fundamentais, o que inclui o papel desempenhado por pessoas que atuam como conselheiros ou conselheiras tutelares, como Ariane Richele Ferreira de Oliveira, de 42 anos.
Moradora da Cidade Tiradentes desde os quatro anos, é nesse território que ela compartilha a vida com o marido e os três filhos. A decisão de ser conselheira teve influência de vários colegas de trabalho, que diziam que Ariane tinha perfil para a função. Após participar de diversos processos formativos e se apropriar dos conhecimentos sobre o tema, conversou com o marido e se candidatou ao cargo, onde permanecerá até o final de 2023.
Há sete anos como conselheira tutelar, Ariane enfrenta alguns desafios, sendo o principal deles a falta de compreensão da população sobre as atribuições dos Conselhos Tutelares. Foi a partir dessa dificuldade que o colegiado iniciou diversas ações formativas dentro dos equipamentos da rede de proteção, com profissionais, crianças, adolescentes e famílias, sobre o que faz o Conselho Tutelar e o que são violações de direitos de crianças e adolescentes.
Segundo ela, essas ações promovem a prevenção de violências, pois auxiliam as pessoas a nomear situações de violência e buscar ajuda. Como fruto dessas ações, Ariane relata que percebeu um aumento de buscas espontâneas das famílias pelo equipamento, as quais solicitam ajuda diante de demandas como violência sexual, vulnerabilidade socioeconômica e atendimento pela rede de proteção. Integrante do colegiado do Conselho Tutelar I da Cidade Tiradentes, Ariane facilitou uma visita dos jovens do projeto Passa a Visão ao equipamento, oportunidade em que conversaram com os conselheiros tutelares e esclareceram dúvidas a respeito da atuação do órgão.
“A Cidade Tiradentes é muito grande e cada setor tem suas especificidades… é por isso que a gente precisa ouvir as pessoas que trabalham e moram nos diversos setores do território”, finaliza a conselheira.