Atenção a refugiados e migrantes torna-se crucial para o enfrentamento das desigualdades em Manaus
Conheça algumas das principais ações apoiadas pela Plataforma dos Centros Urbanos na capital manauara entre 2017 e 2020
Desde 2019, mais de 26 mil pessoas solicitaram refúgio ou residência temporária na capital amazonense, segundo dados do Departamento da Polícia Federal de julho de 2020. Em um fluxo contínuo, muitos migrantes e refugiados chegam com a necessidade urgente de assistência humanitária, como alimentação, abrigo, saúde e proteção. Os esforços da cidade para acolher, integrar e garantir condições de saúde, abrigo, alimentação, educação e bem-estar são diversos e persistentes.
Diante dessa emergência, as crianças e os adolescentes venezuelanos e suas famílias foram foco central da atuação da Plataforma dos Centros Urbanos 2017-2020 em Manaus. Não haveria como trabalhar o enfrentamento das desigualdades sem o acolhimento estruturado de um número crescente de pessoas em situação de vulnerabilidade chegando à cidade.
Enfrentamento da exclusão escolar
Manaus iniciou, em 2019, a inserção de refugiados e migrantes venezuelanos na política pública municipal. O objetivo é assegurar os direitos de crianças e adolescentes venezuelanos para que possam acessar regularmente a educação básica, recebam acompanhamento nutricional e de saúde, atendam a serviços voltados para o enfrentamento de e resposta a diferentes formas de violência e participem de espaços democráticos que promovam a escuta e o engajamento dessas populações em discussões que possam delinear o seu futuro no local onde hoje residem.
No âmbito da educação, os esforços do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e parceiros têm, sobretudo, sido organizados na tentativa de que o poder público possa assegurar que cada criança e adolescente refugiado e migrante possa acessar e permanecer na escola, tendo seu direito à educação de qualidade garantido a qualquer tempo.
Estratégias de advocacy, sensibilização e fortalecimento das capacidades de profissionais, entes e atores públicos resultaram em ações conjuntas e diretrizes importantes que atualmente integram o marco legal e o cronograma de ações da educação na capital e no estado:
- Por meio da instrução normativa Nº 001/2019/Seduc/AM, a Secretaria de Estado de Educação e Desporto do Amazonas (Seduc) estabeleceu normas e procedimentos para dar equivalência e convalidar estudos realizados no exterior em nível de ensino fundamental e médio dos estudantes estrangeiros que queiram ingressar nas unidades de ensino da Seduc para que possam continuar seus estudos no Brasil, diminuindo, assim, barreiras que possam dificultar o ingresso e permanência de estudantes migrantes e refugiados na rede estadual de ensino;
- A atenção especializada e o acolhimento à criança refugiada e migrante passaram a fazer parte das discussões que embasaram a criação do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), lideradas pela Prefeitura Municipal de Manaus, em parceria com o UNICEF e a organização não governamental United Way Brasil, dando um caráter integrador e multissetorial aos cuidados na primeira fase da vida de cada indivíduo;
- Ações de busca ativa lideradas pelas Secretarias de Educação e articuladas com os entes que compõem o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescentes fomentaram campanhas de matrículas focadas para populações em situação de vulnerabilidade, em especial, aquelas compostas por refugiados e migrantes. Fruto desses esforços, em 2019, mais de 3 mil crianças e adolescentes venezuelanos acessaram o sistema formal de ensino por meio da rede pública, na capital. Em 2020, esse número dobrou e cerca de 6.600 estudantes refugiados e migrantes foram matriculados no ensino formal. Para o ano letivo de 2021, já está programada uma campanha de comunicação em massa para que cada criança, cada adolescente estrangeiro tenha a sua matrícula efetivada e que, mesmo diante dos desafios enfrentados por conta da pandemia da Covid-19, o vínculo com a escola não seja interrompido;
- Com foco no estrato populacional, que é composto por venezuelanos indígenas, o UNICEF tem contribuído – por meio de apoio técnico e ações de mobilização e engajamento de atores e entidades do poder público e da sociedade civil – para a definição de estratégias voltadas à estruturação de um plano de educação escolar indígena warao, que buscará estabelecer diretrizes para que as especificidades da educação escolar dessa etnia sejam consideradas nas fases de concepção e execução da política educacional na capital e no estado. Por meio de reuniões e oficinas virtuais com o público em questão, os esforços têm contado com o apoio dos Conselhos Municipal e Estadual de Educação Escolar Indígena.
Espaços de educação, proteção contra violência e apoio psicossocial |
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Os Espaços Amigáveis para Crianças, denominados de Súper Panas (super amigos, em espanhol), foram instalados em diversos locais de Manaus como ações estratégicas da resposta humanitária do UNICEF Brasil à crise de fluxo migratório de venezuelanos, dentro da intervenção geral da ONU, com o apoio de organizações não governamentais (ONGs) e parceiros locais. As abordagens realizadas por profissionais brasileiros e venezuelanos adaptaram-se às necessidades do atendimento educacional, apoio psicossocial e ações de proteção às crianças e adolescentes contra todas as formas de violência em uma resposta estruturada à crise, garantindo um enfoque multicultural e de gênero.
A integração proporcionada pelas estratégias de proteção e educação não formal tem resultado em uma intervenção dinâmica e responsiva às necessidades de meninos, meninas e famílias venezuelanos indígenas e não indígenas que residem em abrigos ou centros de acolhimento geridos pelo poder público, pelo Exército Brasileiro e por organizações da sociedade civil.
Os objetivos dos Súper Panas são:
- Integrar, em um mesmo espaço seguro e estimulante, atividades educacionais não formais, atividades de proteção da criança contra a violência e apoio psicossocial, a partir de uma abordagem integrada (com especial enfoque para os diferentes grupos etários);
- Desenvolver atividades educacionais de apoio à transição ao sistema brasileiro de educação para crianças e adolescentes migrantes e refugiados, numa abordagem multicultural, em espaços localizados em abrigos e fora deles;
- Desenvolver atividades de apoio psicossocial para que as crianças e os adolescentes migrantes e refugiados possam:
- brincar, ter recuperação emocional e socialização, junto com ações para o fortalecimento de suas habilidades cognitivas, criativas, sociais e de vida, que resultará em melhoria de suas capacidades de resiliência; e
- aprender e se desenvolver em escolas das comunidades que os acolhem, ampliando a capacidade de inclusão e a sensibilidade ao tema da migração e refúgio de todo o sistema educacional;
- Desenvolver atividades de prevenção e de resposta a violências, abuso e exploração de crianças e adolescentes dentro e fora dos abrigos, incluindo ações de monitoramento de possíveis situações de desproteção, identificação precoce, apoio integral para vítimas, tal como o encaminhamento de casos para atendimento pela rede local de proteção;
- Atividades específicas para desenvolver as capacidades de autoproteção das crianças e dos adolescentes e saber onde denunciar e/ou pedir ajuda.
Somente em 2020, mais de 20 mil atendimentos foram realizados por meio da estratégia Súper Panas em Manaus, por meio das atividades lideradas pelo UNICEF em parceria com a organização Aldeias Infantis SOS. Crianças e adolescentes refugiados e migrantes, seus familiares, voluntários e profissionais do setor público e de organizações da sociedade civil têm se beneficiado direta e indiretamente das atividades realizadas no âmbito da estratégia.
Educação não formal, letramento e desenvolvimento de habilidades digitais |
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Coordenada pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a iniciativa, como projeto de extensão, vem sendo realizada em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Semed), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a organização não governamental Aldeias Infantis SOS.
O projeto consiste em realizar encontros virtuais temáticos nos quais, por meio de dispositivos móveis conectados à internet (celulares, tablets e TVs), é possibilitada a interação entre crianças e adolescentes de diferentes espaços, bem como com professores e estudantes bolsistas da universidade, monitores e educadores das Aldeias Infantis SOS e a equipe do UNICEF, promovendo, entre os participantes, o desenvolvimento de competências ancoradas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e habilidades digitais.
Segundo Cacio José Ferreira, coordenador do projeto e diretor da Faculdade de Letras da Ufam, foram selecionados crianças e adolescentes, indígenas e não indígenas, que já possuíam conhecimento prévio da língua espanhola, como forma de orientar as atividades que foram desenvolvidas pela equipe da Ufam, com o objetivo de considerar aspectos importantes observados durante os encontros, na tentativa de responder de forma mais específica aos processos individuais de aprendizagem de cada participante.
Diferentemente de uma aula tradicional de língua portuguesa, as crianças e os adolescentes refugiados e migrantes aprendem o novo idioma a partir de temas de relevância social e que possuem como foco:
- a prevenção ao novo coronavírus;
- a promoção da cidadania e dos direitos humanos;
- a situação dos refugiados e migrantes que vivem no Brasil; e
- os aspectos culturais que permeiam a convivência e interação escolar, de forma a preparar a comunidade envolvida para se integrar ao contexto escolar público do estado do Amazonas.
A iniciativa é direcionada a crianças e adolescentes (10 a 18 anos) refugiados e migrantes e que vivem em abrigos e centros de acolhimento geridos pela gestão municipal de Manaus. Nesses espaços, residem cerca de 100 famílias venezuelanas indígenas e não indígenas que vieram ao Brasil em busca de melhores condições de vida.
Além de aspectos linguísticos, durante os encontros estão sendo trabalhados aspectos culturais relacionados à música, à literatura, aos costumes e às crenças do Brasil, com especial atenção à cultura amazonense, e da Venezuela.
Os aspectos pertinentes à convivência, à integração cultural e à interação escolar são abordados para preparar crianças e adolescentes para o ingresso no ensino formal. Sandra Lineia Damasceno, assessora técnica da Semed, esclarece que a secretaria de ensino busca estratégias para que esses alunos sintam o mínimo de impacto negativo durante seu percurso escolar. Sandra salienta ainda que “ensinar o português a eles é um demonstrativo de acolhimento, uma maneira de que o aluno se sinta integrado”.
Promoção dos direitos da primeira infância
Na Semana Mundial de Aleitamento Materno, em agosto de 2020, o UNICEF trabalhou o tema “Apoiar a amamentação para um planeta mais saudável”. O objetivo da ação foi discutir o impacto da alimentação infantil no meio ambiente; as mudanças climáticas; e a necessidade urgente de proteger, promover e apoiar o aleitamento materno para a saúde da criança e do planeta.
O material da campanha foi produzido em português, em espanhol e em warao (a língua dos indígenas venezuelanos da etnia warao) e teve ampla distribuição por meio das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde. Além disso, foi entregue diretamente na Maternidade Doutor Moura Tapajóz, na Zona Oeste de Manaus; nos abrigos Coroado, na Zona Leste, Tarumã Centro, na Zona Central, Tarumã-Açu 1, na Zona Oeste; e no Abrigo Temporário Zezão, no bairro São José, na Zona Leste. Os abrigos Tarumã-Açu 1 e Coroado receberam também o “espaços de amamentação”, que garante um ambiente estruturado e confortável para mães e bebês.
Em 2019, Manaus contou com outro evento voltado para a alimentação infantil, dessa vez com foco nos profissionais da rede municipal de atendimento de diversas áreas. Foi a formação com base no guia “Os 10 passos para alimentação e hábitos saudáveis – do nascimento até os 2 anos de idade”, publicado pelo UNICEF.
A capacitação contou com a participação de aproximadamente 50 profissionais da rede pública de saúde, assistência social e educação infantil, dos espaços de educação, proteção contra violência e apoio psicossocial para crianças e adolescentes migrantes e refugiados.
Outra ação realizada em prol da população refugiada e migrante em Manaus foi o seminário Saúde e a população migrante e refugiada em Manaus: avanços e desafios, organizado pelo UNICEF e a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), em parceria com as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde e a Sociedade Amazonense de Pediatria.
O objetivo do evento foi promover a discussão sobre os avanços e os desafios na atenção à saúde da população refugiada e migrante venezuelana, como também revisar, reconstruir e reordenar as ações inter e multissetoriais para acelerar a resposta no cuidado à saúde da população venezuelana abrigada e em situação de rua em Manaus.
Promoção dos direitos sexuais e
dos direitos reprodutivos de adolescentes
O UNICEF, juntamente com a Sociedade Amazonense de Pediatria, organizou o 1º Fórum Amazonense de Prevenção da Gravidez na Adolescência. O evento contou com a participação de médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e profissionais da educação. O objetivo foi sensibilizar, promover a troca de ideias e apontar propostas para trabalhar na prevenção e no acompanhamento das adolescentes.
O Programa Viva Melhor Sabendo Jovem, da Plataforma dos Centros Urbanos, também foi estendido para a população de migrantes e refugiados de Manaus. De setembro de 2019 a abril de 2020, o Coletivo Difusão, em Manaus, levou o programa a adolescentes venezuelanos migrantes, principalmente do abrigo Alfredo Nascimento, com o objetivo de sensibilizá-los sobre questões relacionadas a autocuidado, direitos sexuais e direitos reprodutivos e doenças como HIV e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).
Numa ação complementar ao Programa Viva Melhor Sabendo Jovem, o UNICEF levou a 40 profissionais das secretarias de Educação, de Saúde e de Assistência Social, e profissionais de ONGs parceiras e de agências da ONU o curso Promoção da Saúde Mental de Crianças e Adolescentes em Contextos Migratórios. A formação durou quatro semanas e contextualizou os primeiros socorros psicológicos para adolescentes migrantes venezuelanos em saúde mental em tempos de pandemia.
Ação humanitária ante a Covid-19
Em 2020, último ano da atual edição da Plataforma dos Centros Urbanos, a intensificação da transmissão da Covid-19 no estado do Amazonas, em especial na cidade de Manaus, impôs a necessidade de desenvolver ações articuladas voltadas para o apoio às famílias na prevenção da transmissão do vírus, bem como nas ações para mitigação das consequências da pandemia.
Em situações de crise, as crianças e os adolescentes, por suas especificidades e condições de desenvolvimento, são os mais afetados. Ampliam-se os desafios para o combate às diferentes formas de violência contra a criança – física, mental e sexual –, para a promoção da saúde, da educação escolar, da segurança alimentar e nutricional, para a garantia do direito ao convívio familiar e comunitário, e para a proteção do melhor interesse de crianças e adolescentes em todas as nossas ações.
Nesse cenário, o UNICEF trabalhou na identificação de famílias em situação de vulnerabilidade e na mobilização da sociedade civil, empresas e governos para doação e entrega de kits na região metropolitana de Manaus, com o objetivo de alcançar toda a diversidade da população manauara vulnerável. Nesse mapeamento, foi necessário um olhar atento para populações que não são beneficiadas por políticas públicas e por ações de cidadania.
Numa atuação em rede, o UNICEF alcançou, com informações confiáveis e itens críticos de higiene e limpeza, famílias moradoras de comunidades e periferias, população em situação de rua e em abrigos, população refugiada e migrante venezuelana, famílias indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, bem como adolescentes do sistema socioeducativo.
Foram entregues quase 812 mil itens, incluindo máscaras, kits de higiene, kits de saúde bucal, sabonetes, termômetros, álcool em gel, rádios, tablets, oxímetros e cestas de alimentos.